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19/09/2012 09h31
- Atualizado em
19/09/2012 10h53
De 'jogador' a presidente: alegrias e mágoas de Dourado, o Dr. Olímpico
Médico e sócio desde os 11 anos, ex-mandatário foi responsável por finalizar o estádio. Dourado abre sua casa, suas memórias e o coração
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Dourado era apenas o pequeno Hélio, quando, em 1941, ganhou de sua mãe,
a aplicada professora Dagmar, uma carteira de sócio do Grêmio no
aniversário de 11 anos, logo após ter deixado a interiorana Santa Cruz
rumo a Porto Alegre. Naqueles tempos, a casa do clube gaúcho ainda era o
velho e acanhado Fortim da Baixada e recém a diretoria conseguira a
permuta para o terreno do futuro estádio, ânsia maior de uma torcida que
não parava de crescer. O pequeno Hélio também cresceu, virou doutor,
abnegado cirurgião, amante de carros e devoto ao Grêmio. O presidente
que completou as obras do Olímpico e o transformou em Monumental hoje,
aos 82 anos, sofre calado com a aproximação, cada vez mais veloz, do
adeus ao estádio. Ou melhor, nem tão calado assim. Olha a maquete de sua
obra-prima, presente de um "grande gremista", e aproveita o conforto de
seu escritório para desabafar:- E vão demolir tudo isso...
É o que deve acontecer com o Olímpico, a partir de março de 2013, quando será entregue à OAS, fruto da parceria do Grêmio com a construtora baiana que ergue a Arena, futura casa do clube gaúcho. Para Dourado, era possível evoluir, se modernizar, sem deixar o bairro da Azenha.
- Aí vem a grande diferença do que está acontecendo hoje - dispara, em comparação com as obras da Arena. - A torcida deu todo o dinheiro, não cedemos nada. Eu não fiz o Olímpico, foram os torcedores. Esse aqui (Arena), os torcedores não estão fazendo. É a OAS (construtora baiana). O Grêmio não vai ser mais o mesmo. Vai deixar de ser Grêmio Foot-Ball Porto-Alegrense para ser a Arena Porto-Alegrense. Estou muito chateado.
Helio Dourado observa miniatura: 'E vão demolir tudo isso' (Foto: Lucas Rizzatti/Globoesporte.com)
A saudade antecipada de Dourado vai muito além de sua campanha por
cimento e verbas, entre os anos de 1977 e 1980, para concluir o anel
superior do Olímpico. O pequeno Hélio já tinha uma proximidade especial
com o estádio, antes mesmo de ele existir. Para ir da sua casa, na Vila
Nova, até a sua avó, na Cel. Genuíno, centro de Porto Alegre, o garoto
precisava cruzar uma ainda incipiente urbana capital. Metia-se num bonde
que, em determinada momento, passava em frente à gigantesca Vila Caiu
do Céu.Aquela sobreposição de malocas e de gente, mais de mil casinhas, uma verdadeira cidade particular, desde cedo intrigava o guri, que passava duas vezes por dia na região em sua época de aluno do Ancheta.
Com seus 20 e poucos anos e perto de finalizar o curso de Medicina na Univerisade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trocou a curiosidade típica dos garotos pela expectativa de um fanático torcedor que via a história emergir. Afinal, o projeto do arquiteto Plinio Oliveira Almeida estava saindo do papel exatamente sobre a vila, retirada para que o Olímpico ganhasse vida. Dourado se formou médico no mesmo ano em que as obras começaram oficialmente: 1953.
- Eu visitava as obras várias vezes, muita gente visitava - conta. - E, mesmo muito jovem e começando a minha vida, contribuí, dei o meu dinheiro para ajudar.
O único jogo de um meia de 'saúde tremenda'
Como o próprio Dourado ressalva, nunca quis “se meter” na vida política do clube. No entanto, antes de cogitar a empreitada, tentou fazer a diferença dentro de campo. De “saúde tremenda”, atuava no meio-campo, de ponta a ponta. Nos termos contemporâneos do futebol, seria o “motor” do time.
- Subia e descia, sem parar. Fiz até gol de bicicleta na seleção da universidade - se orgulha.
Era 1947, surgiu o convite de jogar no Grêmio, após uma partida no campo do extinto Força e Luz. Atuou apenas uma vez com a camisa tricolor. Foi bem, garante, mas acabou derrotado por 1 a 0 pelo Renner, na casa do rival.
O revés não mudaria a opinião do clube, que queria contar com Dourado. Desta vez, quem não quis foi o próprio jogador. Os horários dos treinamentos colidiam com a grade curricular da faculdade. Era preciso escolher. Bola ou bisturi. Ficou com a segunda opção.
- Quase chorei. Mas eu tinha uma paixão pela medicina. Hoje, te diria que trancaria a matrícula. O futebol era bem diferente naquela época - confidencia.
A história mostra que a escolha foi, digamos, temporária. O futebol acabaria por invadir a vida de Dourado. Era como um virus contundente, irreversível, mas de modo algum fatal. Pelo contrário, virou razão de vida.
No bonde que o levava, ainda pequeno, para perto do Olímpico, Dourado também aprendeu a dirigir. Ficava perto do condutor, gravava trejeitos, aprendia macetes. Depois, mais velho, com seu carro, um Austin, passou a acompanhar o Grêmio pelo Interior, pouco importando o local, o rival, a circunstância. Honrava o dizer recém criado por Salim Nigri, torcedor-símbolo daquelas decisivas décadas de 1940 e 50: “Com o Grêmio onde estiver o Grêmio”.
De curioso, passando por quase jogador, Dourado finalmente fincou pé no clube. Um dos culpados atende por Sinval Guazzaelli, que viria a ser governador do estado anos mais tarde. Dourado lhe dava caronas nos jogos pelo Interior e acabou sendo convencido a ser mais do que um empenhado torcedor.
Dourado em 79, 81, hoje e o Olímpico: história viva do Grêmio (Foto: Lucas Rizzatti/Globoesporte.com)
A vida de conselheiro começou em 1966. Aproximou-se do dia a dia dos
jogadores ao oferecer seus serviços de médicos aos familiares dos
boleiros, quando estes estivessem em viagem. Quando Flavio Obino assumiu
a presidência, em 1969, chamou aquele gremista, cirurgião de mãos
grandes e voz grave para compor a direção do clube.- Ele já me conhecia das minhas andanças - recorda Dourado, que, em meio à entrevista, coincidentemente, atendera a um telefonema de Obino. Assunto, o Grêmio, claro.
Aliás, o pai de Flávio, Alfredo Obino, foi o responsável pela condução das obras inciais do Olímpico até a ampliação de parte do anel superior, no final da década de 1960.
- Sempre gostei muito de obras. O Alfredo me pediu para ajudar e me meti - conta.
E tomou gosto. Quando assumiu a presidência, em 1976, cumpriu o projeto inicial do Olímpico, elaborado por Plinio Almeida, de fechar todo o estádio. Comprometeu-se a construir 13 módulos. E, a cada fase concluída, promovia uma festa.
'Entreguei um estádio e um baita time'
Mas por que ampliar o Olímpico? Dourado se apegou a duas justificativas fundamentais, ambas ligadas à rivalidade Gre-Nal. Primeiro, a corneta do rival Inter. Os torcedores chegavam ao estádio gritando "chiqueirão", lembra, devido a alguns remendos e entulhos em alguns locais. Dourado também achava que os jogadores "fraquejavam" diante do tamanho da casa do maior rival.
Para vencer esse Gre-Nal dos estádios, Dourado entrou em campo. Ou melhor, pôs o pé na estrada, num "On the Road" para deixar enciumado até Jack Kerouac. Percorreu 157 municípios gaúchos na famosa Campanha do Cimento. Também atravessou o Rio Mampituba. Sobre uma robusta caminhonete Ford do clube, foi a Santa Catarina, Paraná, Goiás e Mato Grosso.
- Entrava cimento ou dinheiro, 50 cruzeiros o saco - conta.
Mais do que arrecadar material e dinheiro, a campanha virou uma grande celebração. Transformaram-se em verdadeiros "comícios", com direito a presença de jogadores importantes. Oberdan, André Catimba, Baltazar, entre tantos outros, chegavam a fazer discursos pelo Interior do estado. Ao longo do período da construção, foram doados 26 mil sacos de cimento pelos torcedores.
- Eles que construíram isso tudo - reconhece Dourado, olhos marejados.
Hélio Dourado, no entanto, não foi apenas um bom cirurgião-engenheiro. Era homem de futebol. Desde o início de sua vida no clube, até em seus tempos de diretor financeiro, tomava partido do mundo da bola. Era médico à beira do gramado. E dos educados, garante.
- Eu nunca entrei em campo sem pedir licença. É a mesma coisa um cara entrar numa sala de cirurgia minha, do nada. Assim, fiquei amigo dos juízes - compara.
Soube fazer estádio e time. No ano seguinte de sua posse, montou a equipe que deu fim à supremacia colorada no estado, de oito títulos consecutivos. Foi em 1977, o histórico gol de André Catimba, da cambalhota mal-sucedida, da invasão ao gramado (assista ao gol no vídeo acima).
O jogo não sai da mente de Dourado, que, na semana que antecedera a decisão, via sua filha caçula nascer. No hospital, recebeu a visita dos jogadores e exigiu, com bom humor, a taça que há muito tempo não passeava pelo pátio do Olímpico. Fernanda virou Fernanda Vitória, graças ao 1 a 0 inesquecível. Era para ser mais um Gauchão, mas aquele time de Telê Santana abriu os caminhos para uma década primorosa.
2004: 'nunca vão me dizer que eu me neguei'
No último ano de seu mandato, em 1981, Hélio Dourado viu o Grêmio atingir a sua "maioridade". Conquistou o Campeonato Brasileiro, pelo pé direito do Artilheiro de Deus Baltazar. Mas tudo isso não foi apenas obra divina. Teve a mão de seu Hélio, de seu Dourado, o Dr. Olímpico.
- Quando eu peguei (o cargo), o Inter era hepta. Ganhamos no meu segundo ano, em 1977, depois veio o bi. Em 1981, o Nacional. Entreguei um clube com dinheiro em caixa, com um CT que hoje leva o meu nome. E o mais importante: um baita time, que, com duas ou três modificações, ganhou a América e o mundo.
Em 2004, voltou ativamente à cena do futebol. O time naufragava rumo à Série B...
- Todo mundo sumiu e vieram para cima de mim. Coloquei a cabeça no lugar: está uma porcaria, sim, mas nunca vão me dizer que eu me neguei.
Inevitável, o rebaixamento dizimou a alma gremista. Como fazia em seus tempos de médico à beira do campo, Helio Dourado saiu de cena como entrou: com discrição. Mas não foi embora por completo. Quando se fala em Olímpico, Dourado é pauta obrigatória. E, para isso, ele nem precisa pedir licença.
ortim ficou pequeno
O estádio onde tudo começou passou a ser pequeno. O Grêmio crescia, sua torcida também. Não cabiam mais todos os sócios no velho pavilhão, já passava de 600, e a Baixada, o famoso Fortim, casa tricolor desde 1904, precisaria se reinventar.Em 1938, alargou-se em nove metros o gramado, mas não adiantou. O Grêmio pensou em duas alternativas até chegar ao local onde descansa atualmente o gigante de concreto - cogitou-se a área do antigo Cine Castelo ou onde hoje está a Avenida Farrapos.
A oficialização da permuta da Baixada para a área do então novo estádio se deu em 1940. Era o início da “ recuperação do orgulho gremista”. Constantemente vencido em Gre-Nais naqueles anos (o Inter foi hexa do Gauchão na década), o Grêmio se mobilizou, criou o símbolo mosqueteiro e a frase “Com o Grêmio onde Estiver o Grêmio”. Faltava a nova casa. Palco de novas vitórias.
Datas importantes
1938Alargamento do gramado da Baixada, de 61m a 70m
16 de setembro de 1940
Presidente Telêmaco Frazão de Lima assina o primeiro documento oficial para a permuta da Baixada pela área do futuro estádio Olímpico
28 de setembro de 1941
Lançamento da pedra fundamental do futuro estádio
29 de novembro de 1942
Craque do meio-campo, Foguinho pendura as chuteiras
28 de maio de 1944
Grêmio lança sua nova bandeira, a terceira
13 de agosto de 1944
Grêmio vence Gre-Nal por 4 a 3 após estar perdendo por 3 a 0 no primeiro tempo. Entrou para a história como o Gre-Nal da Virada
15 de setembro de 1946
Grêmio vence o Gauchão, depois de seis conquistas consecutivas do Inter. É o resgate do “orgulho gremista”, acompanhado pela criação do mascote Mosqueteiro e pelo slogan: “Com o Grêmio onde estiver o Grêmio”. Neste ano, também foi eleito o primeiro hino oficial do clube: “Marcha de Guerra do Grêmio”, de Breno Blauth.
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